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Entre os Tikunas, povos indígenas que localizam-se na região do Alto Solimões, no Estado do Amazonas, a iniciação da adolescente se faz através de uma grande festa. É a FESTA DA WORECU ou FESTA DA PUBERDADE, mas conhecida como FESTA DA MOÇA NOVA, cujos rituais estão totalmente voltados para o corpo. É objetivo deste trabalho e discutir o uso do corpo nesse ritual de passagem a que são submetidas as meninas das tribos Tikuna durante a realização da festa da Moça Nova, a partir de dados colhidos na localidade de Belém do Solimões, município de Tabatinga, Estado do Amazonas.
A festa só ocorre depois que a menina Tikuna atinge a menarca. Inicia aí seu período de recolhimento ou reclusão. Durante esse período a Moça Nova deve permanecer reclusa, longe dos olhares de todos, aguardando o momento de reingressar no mundo social: o dia da sua festa.
2.2. A festa dura três dias e os participantes dançam e batem tambores durante a noite e o dia. O ritual da bebida repete-se inúmeras vezes. É servida para todos na mesma cuia. Para dançar os Tikunas juntam-se em grupos de 4 a 6 pessoas e de braços dados deslocam-se para a frente e para trás.
A festa desenvolve-se através de vários rituais e atos simbólicos: a pintura dos convidados, a dança, a preparação do corpo da Moça Nova, preparação dos ornamentos corporais, entrada dos mascarados, entrada da Moça Nova na casa de festa, pelação, banho da Moça Nova e final da festa.
Os convidados são pintados com o sumo do jenipapo com desenhos característicos de cada Nação. "Quem não se pinta na festa tem um castigo, não se torna encantado, não fica imortal" (Grubber, 1992:258).
Ao final da tarde a moça é conduzida da sua casa para o TURI (curral), dentro da casa de festa. E aí vai permanecer a noite toda. Neste local só tem acesso pessoas como a mãe, o tio, a avó e as senhoras mais antigas.
A pintura corporal da Moça Nova ou Worecü é feita em três momentos. Logo pela manhã ocorre a primeira pintura. As senhoras do seu clã iniciam a pintura com um sabugo de milho. Molham na tintura e passam no corpo da moça, de cima para baixo, em duas linhas curvas, abertas, para fora, na frente e atrás,. Pintam também o rosto, em linhas, sobre a face e a testa.
No segundo momento complementam a pintura derramando bastante a tinta do jenipapo no corpo da moça e espalhando com as mãos, enegrecendo totalmente o tronco. Quando se pinta, cobre-se o corpo de uma nova pele. Quando a pintura sai, vai tudo para fora com ela. É como renascer.
Espera-se secar. Uma senhora idosa bate o bastão de avaí e começa a cantar para a moça. Ficam assim por quase uma hora. Durante todo esse ritual a Moça Nova permanece de olhos fechados, para não ver ninguém. A moça volta então para o curral .
A terceira pintura só acontecerá depois de colocados os ornamentos corporais.
Os mascarados surgem logo após a primeira pintura da Moça Nova, provocando os convidados e animando a festa, correndo atrás das crianças e das meninas. As máscaras são representações de entidades sobrenaturais como Omá, a mãe do vento, que é uma personagem má, ligada a destruição; Dyëväe, demônio da água além de outros. Podem também representar o dono de uma montanha, o dono de uma água, etc. Ou ainda animais, como macacos, que ostentam enormes [...].. A máscara é sempre algo sagrado, desde o começo do povo Maghüta.
Ornamentos corporais da Moça Nova. Pelo meio dia as mulheres mais velhas incluindo a mãe e a avó vão para o curral colocar os adornos na Moça Nova e pintá-la. Ela usa vários ornamentos: Tanga vermelha, Coroa de penas de arara, braçadeiras e perneiras
Entrada da Moça Nova na casa de festa. Depois que a Moça Nova passa por todo esse processo de preparação, espera, pintura e ornamentação, seu corpo está pronto, pintado e cheio de adornos. Agora ela pode finalmente sair do seu curral. E sua chegada à sala de festa ocorre de forma especial, dançando com pessoas da família, conduzida por alguém especialmente escolhido para essa tarefa. Pode ser um tio ou um primo. É um momento muito esperado por todos. Na festa que presenciamos, a moça nova, Srta. Marivânia, foi conduzida pelo vereador Darcy, sobrinho de seu pai, seu primo portanto. Juntam-se a eles muitos dos convidados e continuam dançando, para a frente e para trás . Ao atingir a parte externa da casa, o primo inclina a cabeça da moça nova para trás, fazendo com que o rosto dela recebesse a luz do sol. Ele explicou que faz isso porque ela ficou muito tempo em reclusão, sem ver essa luz. Continuam dançando em volta da casa de festa.
Retirada dos cabelos. A pelação significa renovação, mudança total. Neste caso, houve uma mudança, porque a menina já tornou-se moça, já se formou. Por isso ela tem de retirar todo o cabelo para renovar-se. Significa também a remissão das faltas cometidas pela menina durante seu período de criança. Todo o ritual pelo qual a Moça Nova passa, de forma clara maltratando seu corpo, é encarado também como ritual de limpeza do seu corpo. Ela deve estar arrependida dos atos merecedores de reprovação e é incentivada a melhorar o comportamento, e a assumir uma postura de pessoa adulta.
Pelos relatos dos nossos informantes podemos dizer que, além de outras coisas, o que sujou o corpo da menina foi a menstruação. Tanto é assim que, ela não pode nem ver os irmãos no seu período de reclusão, para não contaminá-los. [...]
Vai ter início o principal ritual da festa: a pelação. Os mais velhos começam então a retirar o cabelo da Moça Nova. Ao som dos cantos e dos tambores vão retirando as mechas e entregando ao tio ou ao avô. A Moça Nova fica ali, sentada, a sentir dor, sem gritar. Às vezes choram, mas de forma reservada.
Só devem participar da pelação as pessoas que sabem fazer isso e o fazem sem medo. Há pessoas que ficam com pena da menina porque dói muito. Essas pessoas não devem participar, porque puxam o cabelo sem convicção, sem a força suficiente, e o cabelo não sai. Ao contrário, só causa mais sofrimento à Moça Nova..Durante a pelação, há um ritual da fala: passam a explicar as razões daquele ritual, evocando a história do seu povo. Explicam ainda que, para se tornar uma nova pessoa, para iniciar uma nova vida como adulto, é preciso que o corpo passe por esse ritual, pelo processo de dor pelo qual a Moça Nova está passando, ainda que isso represente sofrimento. Esse ritual é que vai garantir toda a limpeza do seu corpo para entrar na vida adulta.
E mais, o ritual é um cumprimento das obrigações para com as entidades sobrenaturais, que a tudo assistem. Além disso explicam-lhe como deverá ser seu comportamento a partir desse ritual, o que ela pode e não pode fazer a partir de agora e como deverá ser sua convivência no mundo dos adultos, incluindo os rapazes. Depois da festa ela vai cuidar de ganhar marido e viver sua vida, e vai criar os filhos como foi criada. Avisam-lhe que ela vai se sentir diferente, vai se sentir mulher, adulta. Hoje é castigada na dor, mas vai poder namorar, casar e talvez receber coisas piores, passar por outras dores, como a de ter o filho etc. [...]
A última mecha de cabelo é tirada pela pessoa escolhida, podendo ser o tio ou o avô, ou uma pessoa idosa. Depois de concretizada a pelação, os adornos são recolocados e o tio ou avô corre com a Moça Nova dando algumas voltas por dentro da casa de festa. Os participantes acompanham na maior animação, a maioria bêbada.
Final da Festa. Para finalizar a festa, procedem à derrubada do curral onde a Moça Nova esteve, junta-se e recolhe-se tudo o que sobra da casa de festa e todos vão para o igarapé levando todo o lixo. A Moça Nova vai conduzida, ainda com toda a decoração corporal.
Ela retira a ornamentação e mergulha dando duas voltas em torno de uma flecha fincada no rio e só depois retorna à superfície. Acredita-se que ela estará salva dos perigos da vida. Quando a Moça Nova sai do banho, a cerimônia tem fim. Aí ela pode ir para casa comer e descansar. Vai colocar um pano branco amarrado na cabeça e só vai tirar quando o cabelo crescer. Os outros continuam dançando enquanto tiver música e pajuaru para beber. http://www.motricidade.com/
Os rituais da festa da puberdade penalizam sobremodo o corpo da menina. Desde a noite em que ela fica no seu curral sem dormir, de mãos para cima segurando numa peça de madeira até o banho final, todos os rituais exigem demasiadamente do seu corpo.
Tendo a menina menstruado, seu corpo é considerado sujo, como se ela estivesse contaminada, cheia de demônios. Portanto fica longe dos olhos dos outros. Para o retorno à normalidade o corpo é então submetido a um processo de limpeza, de renovação, que envolve muita dor e mutilação.. É a total submissão do corpo ao rito, em torno do qual gira a mitologia, a vida cerimonial. Responder para: Ita Guedes
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